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CASAIS COM PAZ E VIDA

Dados do Exército mostram que 46% das autorizações dadas ao comércio nos últimos 20 anos foram concedidas entre 2019 e 2021.

O número de lojas de armas com registro concedido pelo Exército aumentou 143% de 2018 a 2021. O quantitativo de novas permissões de estabelecimentos passou de 237 para 577. No mesmo período, o número de pessoas físicas com registro de colecionador, atirador e caçador (CAC) saltou de 117.467 para 515.253, um crescimento de 338%.

Os dados são do Exército e obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A reportagem procurou o órgão, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

O Exército é o responsável por fiscalizar o comércio de armas e munições no Brasil. No caso dos CACs, é o órgão que fiscaliza os registros e seus acervos por meio do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). Os demais civis que desejam ter armamento precisam fazer a solicitação à Polícia Federal pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm).

Em 2002, o Exército concedeu apenas 12 registros para lojas de armas. Daquele ano a 2021, o aumento de novos registros foi de 4.708%. Os números mostram que em 2004 e 2005 houve um crescimento de permissões concedidas, mas a quantidade de novas lojas de armas voltou a cair em 2006 e ficou abaixo de 70 por ano até 2015.

A maior parte dos registros concedidos às lojas entre 2002 e junho de 2022 estão no Rio Grande do Sul, seguido por São Paulo e Santa Catarina. Dados do Exército até abril deste ano também mostram que o país possui 1.877 clubes de tiro em funcionamento. A maior parte está em São Paulo (254), Paraná (225) e Rio Grande do Sul (224).

Gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani afirma que a série histórica, de 2002 a 2021, mostra que qualquer mudança de regulação tem um efeito percebido na quantidade de lojas concedidas. “Esse crescimento, começando em 2017 de forma mais significativa, dialoga com mudanças feitas no governo do ex-presidente Michel Temer”, afirma.

Em 2017, o governo Temer editou decretos e portarias que modificaram as regras de controle de arma no país, como o aumento de três para cinco anos do registro de arma de fogo. Langeani diz que em 2018 e 2019 os números “explodiram”. “Em 2018, acho que tem a ver com a centralidade do tema, com um candidato à Presidência que só falava de armas, e em 2019 acontecem as flexibilizações mais relevantes desde o estatuto do desarmamento”, frisa.

De acordo com ele, tudo isso incentivou o consumo de armas e, consequentemente, as vendas. “Todas as mudanças foram na linha de estimular um negócio que hoje no Brasil virou bastante lucrativo, apesar das consequências negativas que traz para o coletivo”, conclui.

Professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança, Welliton Caixeta afirma que “o governo tem adotado uma política deliberada de flexibilização do acesso às armas de fogo e munições pela população”, o que gerou, por exemplo, um aumento na quantidade de armas registradas por CACs.

Números do Exército compilados pelos institutos Sou da Paz e Igarapé mostram que, em 2018, o acervo de CACs era composto de 350,6 mil armas e que, em julho deste ano, a quantidade saltou para 1.006.725, um crescimento de 187%.

Caixeta ressalta que mais armas em circulação impactam a segurança pública e “ameaçam a integridade de todos”. “É o Estado lavando as mãos. (…) Diversas pesquisas nacionais e internacionais têm revelado que mais armas em circulação não implicam em maior segurança”, frisa.

Alguns dos decretos em questão foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda analisa a questão. Em setembro do ano passado, o ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, fez um pedido de vista (mais tempo para análise), e o julgamento dos decretos foi suspenso, situação que permanece até o momento. A questão já foi, inclusive, citada por Bolsonaro durante entrevista em um podcast.

“No meu governo, já quase dobramos o número de CACs. Somos quase 700 mil. Então, arma de fogo se fez presente. Agora, você pode perguntar: por que o Supremo não derrubou? Porque teve um ministro que pediu vistas aos decretos e não tem prazo para entregar. Isso vale para qualquer ministro, para qualquer projeto e para qualquer coisa”, afirmou, no início de agosto.

Atualmente o que vale é um dos decretos de 2019, que permite que atiradores e caçadores possam ter até 90 armas (60 armas para atiradores e 30 para caçadores). Colecionadores podem ter mais: cinco armas de cada modelo.

Menos burocracia

Apesar de o mercado ter crescido e a compra de armas ter sido facilitada, Thyago Almeida, atleta de tiro prático no Distrito Federal há 14 anos, acredita que o processo de aquisição continua igual. “O que mudou muito foi a quantidade de clubes e lojas. Treinar em um clube de tiro ficou mais acessível, qualquer cidade tem um clube, e eu atribuo esse aumento à própria imprensa, que fez muita propaganda dos decretos [do governo Bolsonaro]. Aí tem gente que acha que é fácil, que liberou geral, mas, na verdade, não é bem assim”, comenta.

Almeida opina que para os atletas houve uma desburocratização nos últimos anos, especialmente no consumo de munição. “Antes, o controle era em papel, agora passou a ser eletrônico. Mas, no fim das contas, quem quer uma arma vai ficar aí os primeiros seis meses, e até um ano, passando por burocracia, que envolve documentação e capacitação. Não é tão fácil assim”, diz.

No Brasil, o registro de armas de fogo pode ser feito de duas formas: pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da PF, e pelo Sigma, do Exército. Esse último é exclusivo para registro de armas para militares e, no caso de civis, para os CACs.

Para conseguir o registro na PF é preciso ter no mínimo 25 anos, comprovar que não tem antecedentes criminais e que não responde a inquérito policial ou a processo criminal, comprovar ocupação lícita, ter residência fixa e capacidade técnica e aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo. Os aprovados em todas as etapas podem ter quatro armas de calibre permitido e 200 munições por ano.

O interessado precisa declarar à PF, ainda, a necessidade de possuir uma arma de fogo. Um decreto assinado pelo presidente Bolsonaro em janeiro de 2019, no entanto, flexibilizou a regra ao prever a presunção da “veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade”.

Quem opta por ter o registro do Exército também passa pelas fases de checagem psicológica e de idoneidade, além de precisar ser filiado a um clube de tiro. A comprovação de idoneidade, entretanto, pode ser autodeclaratória.

Em julho, a Polícia Federal realizou uma operação em Minas Gerais contra um membro da organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) que obteve o certificado de registro como CAC. Entre os documentos entregues ao Exército estava uma autodeclaração de idoneidade.

Fonte: R7

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